29/10/2024

Pesquisa Medicinal com Cannabis e Suas Comprovações Científicas

O uso medicinal da cannabis tem raízes profundas na história humana, mas foi apenas nas últimas décadas que a ciência começou a revelar os mecanismos biológicos por trás de seus efeitos.

 

Neste capítulo, vamos mergulhar no início da pesquisa médica com a cannabis e como as descobertas científicas sobre seus compostos ativos, como o THC e o CBD, mudaram o panorama médico, revelando seu potencial terapêutico.

 

Primeiros Passos no Uso Medicinal: Uma Tradição Milenar

 

Desde o antigo Egito, Índia e China, a cannabis era uma planta conhecida por suas propriedades curativas. A documentação chinesa do imperador Shen Nung, de aproximadamente 2737 a.C., descreve o uso da cannabis para tratar uma série de males, como dores, insônia, reumatismo e até constipação. No Egito, ela era usada para aliviar inflamações e em rituais de cura. Porém, essas práticas estavam mais ligadas a tradições culturais e religiosas do que a uma comprovação científica.

 

Década de 1960: A Ciência Redescobre a Cannabis

 

A reviravolta na pesquisa medicinal ocorreu em meados do século XX. Com a descoberta do THC por Raphael Mechoulam em 1964, cientistas começaram a desvendar os efeitos fisiológicos da cannabis e como ela atuava no organismo humano. Em Israel, Mechoulam e sua equipe conduziram os primeiros estudos para entender as propriedades analgésicas e relaxantes da planta, e abriram o caminho para investigar o sistema endocanabinoide – o sistema biológico com o qual os compostos da cannabis interagem.

 

Nos Estados Unidos, na mesma época, surgiram estudos experimentais que utilizavam a cannabis para tratar doenças graves, como o glaucoma. Pesquisas conduzidas por Robert Randall, na década de 1970, mostraram que o uso de cannabis podia reduzir a pressão intraocular em pacientes com essa condição, impedindo a perda de visão. Randall se tornou o primeiro paciente a obter permissão legal para o uso de cannabis medicinal nos EUA, após provar sua eficácia para a saúde.

 

Década de 1980 e o Avanço na Pesquisa com Câncer e Dor Crônica

 

Nos anos 80, a pesquisa sobre os benefícios da cannabis se expandiu, especialmente na área de controle de dor e na oncologia. Em 1985, o dronabinol, uma versão sintética do THC, foi aprovado pela FDA nos EUA para o tratamento da náusea e vômito associados à quimioterapia em pacientes com câncer. A decisão foi um divisor de águas e indicava que os canabinoides da cannabis tinham valor medicinal real.

 

Estudos realizados por pesquisadores canadenses e americanos começaram a observar também os efeitos da cannabis no alívio da dor crônica e neuropática, que são difíceis de serem tratadas com medicamentos convencionais. Esses estudos abriram espaço para que pessoas com doenças debilitantes, como esclerose múltipla, passassem a experimentar uma qualidade de vida melhor ao incluir a cannabis em seus tratamentos.

 

Década de 1990: A Descoberta do Sistema Endocanabinoide

 

O avanço mais significativo da década de 1990 foi a descoberta do sistema endocanabinoide, constituído pelos receptores CB1 e CB2, e como ele interage com os canabinoides da planta. Essa descoberta revelou que o corpo humano possui seu próprio sistema de regulação, com compostos chamados endocanabinoides que se ligam a esses receptores para manter a homeostase e regular funções como sono, humor e resposta imune.

 

Compreender o sistema endocanabinoide levou a pesquisas sobre o uso do CBD, conhecido por seus efeitos terapêuticos sem os efeitos psicoativos do THC. Estudos começaram a mostrar que o CBD era eficaz em casos de epilepsia, ansiedade e inflamação. Em 2018, o medicamento Epidiolex, à base de CBD, foi aprovado pela FDA para o tratamento de dois tipos raros de epilepsia, marcando um avanço inédito na medicina.

 

Anos 2000: Novas Descobertas e Expansão Global

 

A partir dos anos 2000, a pesquisa médica com a cannabis cresceu significativamente. Cientistas ao redor do mundo começaram a investigar sua aplicação para doenças como Alzheimer, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica (ELA). Pesquisas indicam que os canabinoides possuem propriedades neuroprotetoras, que podem ajudar na proteção de células cerebrais, e em países como Canadá, Israel e Alemanha, a cannabis já é amplamente prescrita para doenças neurológicas.

 

Além disso, estudos clínicos começaram a investigar a capacidade do THC e do CBD de auxiliar no tratamento de distúrbios do sono, melhorar a qualidade de vida em pacientes com HIV/AIDS e reduzir a ansiedade e a depressão. A popularização do uso medicinal da cannabis teve um impacto global, com legislações sendo alteradas em vários países para permitir o acesso à planta para fins médicos.

 

Impacto Contínuo e o Futuro da Cannabis Medicinal

 

A pesquisa medicinal da cannabis não apenas revolucionou a forma como lidamos com a planta, mas também ampliou a perspectiva sobre o tratamento de doenças complexas. Atualmente, o desafio reside na regulamentação e no incentivo à pesquisa contínua, para que o uso medicinal seja cada vez mais preciso e eficaz. Ao olharmos para o futuro, a esperança é que novas descobertas sobre os canabinoides tragam avanços ainda maiores para a medicina.

 

Essa foi apenas uma das muitas etapas que ainda estão por vir sobre a cannabis medicinal. Nos próximos capítulos, continuaremos a explorar como essa planta impactou o desenvolvimento da ciência e como ela ainda pode ser uma aliada no combate a diversas doenças.

 

➡ Acompanhe nosso blog para não perder os próximos capítulos e fique por dentro da evolução da cannabis medicinal!

 

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Fontes:

  • Randall, R.C., “Marijuana and Glaucoma.” Drug Science, 1976.
  • Mechoulam, R., “Cannabis Chemistry in 1964.” Israel Journal of Chemistry, 1964.
  • Devane, W.A., et al., “Identification of a Cannabinoid Receptor in Rat Brain.” Molecular Pharmacology, 1988.
  • Pertwee, R.G., “Cannabis and Cannabinoids: Pharmacology, Toxicology, and Therapeutic Potential.” Routledge, 2002.
  • Hazekamp, A., et al., “Cannabinoids and Cannabis Research.” Drug Testing and Analysis, 2010.
  • Russo, E., “The Endocannabinoid System: New Discoveries, New Implications.” Clinical Neuropharmacology, 2004.